Tommaso Varisco - These Gloves

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Ele chega ao mercado cinco anos após seu antecessor, All The Seasons Of The Day. Como segundo álbum de Tommaso Varisco, compositor natural da cidade de Chioggia, Itália, ele é vendido como um produto rico em energias nórdicas europeias. These Gloves foi gravado entre os estúdios Botteghe Barranco e Banhoff.


O cenário que se tem é interiorano. A paisagem e seu aroma são de um bucólico adoravelmente contagiante em seu frescor de pureza natural. Não existe qualquer tipo de interferência industrial ou de aglomerações em massa, somente o céu, o mato e um toque de sertão. Ainda assim, por mais que o clima seja demasiadamente atraente, seu horizonte traz consigo requintes de uma estranha melancolia que abraça o ouvinte sem dificuldade. Esse cenário é construído através da união dos dedilhares do violão ao ponto de fazê-lo ressoar de maneira aconchegantemente grave, enquanto uma voz de timbre igualmente marcante entra em cena em uma interpretação aparentemente cabisbaixa. É Tommaso Varisco entregando, entre sobreposições de vozes de crianças e canto de pássaros cuidadosamente colocadas ao fundo, como se fossem um som distante, um quê introspectivo, melancólico e lamentador. Contudo, quando a harmonia começa a atingir uma crescente a partir da entrada delicada da bateria de Lorenzo Mazzilli e de uma interessante sincronia entre guitarra e violão, Tehri se mostra uma tocante e contagiante canção folk. Com sua simplicidade estética, que conta ainda com o sonar tão característico do banjo de Luca Swanz Andriolo imputando toques ainda mais sertanejos na melodia, a canção traz um lirismo de estrutura mística ao apresentar um personagem aprendendo e tendo a coragem de lidar com questões delicadas que, por muito tempo, foram negligenciadas ou simplesmente negadas. Nesse aspecto, portanto, Terhi é como uma canção de superação, de enfrentamento, mas também de dor e sofrimento.


Ela se apresenta de maneira delicada, doce e gentil, como uma criança pedindo licença para entrar em um ambiente desconhecido. Da melodia extraída dos violinos de Andrea Sambo, não se percebe apenas a pureza, a sutileza e a adorável honestidade de sua imaturidade, mas, sim, a compaixão. O carinho. O cuidado. Fresca e de uma beleza transcendental, cuja paisagem chega a ser como uma chuva de verão capaz de despertar o mais belo arco-íris e fazê-lo refletir entre os véus de água esvoaçantes, a canção é preenchida pelo brando tilintar das notas do piano combinado com o amaciado chacoalhar do chocalho de Matteo Dall’Aglio e o groove bojudo de leves estridências do baixo de Alessandro Arcuri, criando, assim, seu compasso rítmico. Tocante, emocionante e sentimental, Every Moment Has Its Colour é uma canção adoravelmente romântica que, surpreendentemente, dá destaque às incertezas, aos medos e às inseguranças que o amor pode despertar. Ainda assim, ela consiste em uma canção sincera que tenta instigar o ouvinte a se conectar com o outro para que, desse momento em diante, esteja na sintonia certa para enxergar as cores do amor.


A guitarra elétrica vem sorrateira, mas sem qualquer resquício de cinismo ou ímpetos ludibriantes. Afinal, com seu caminhar macio e levemente rebolante, ela soa como a aparição do Sol atrás das montanhas áridas de um deserto que encobre o oeste estadunidense. Surpreendendo aos ouvidos mais desavisados, uma gaita invade a cena com seu uivo ondulante que ecoa pelo ambiente tal como o crocitar da águia ressoando pelas paredes rochosas desse cenário seco. Enquanto a vida começa a acontecer e a luz solar rapidamente faz evaporar o mínimo resquício do frescor noturno, a melodia vai se firmando como um perfeito folk do Tennessee, ainda que com andamento rítmico propositadamente mais lento. É curioso como Lost Souls consegue, pela sua melodia, desenhar uma paisagem fixa e norteadora que, aqui, é como o crepúsculo da manhã acompanhando toda a narrativa. Um enredo que abrange desde a falta de pertencimento e motivação à necessidade de um mundo utópico regido por um senso geral de paz para acalentar os corações angustiados pela ideia de que sentir é sofrer a partir do vazio interior e sem propósito.


O alvorecer chega manso, macio e com um calor solar cuidadosamente aconchegante. Enquanto o horizonte é regido por tons pasteis e arroxeados que sugerem um misto entre o brando e o místico, uma voz ecoante surge como um personagem onipresente sugerindo um diálogo inconsciente e reflexivo. Não à toa que, indo contra qualquer ideia do enredo sugerido pelo seu título, Children Song é uma obra socialmente urgente que representa todo o medo e o desespero dessas pequenas almas que ainda nem se desenvolveram por completo, mas já são submetidas a experiências severas. A presente canção é um delicado folk que contrasta com um diálogo imediato, severo e que expõe um senso de orfandade de compaixão e alento que chega a ser visceralmente dolorido para qualquer pessoa que se aventurar a interpretá-lo.


A luz é escassa e ilusória. O pouco de claro que é possível enxergar, não passa da manipulação do próprio inconsciente como uma medida desesperada de manter o senso de lucidez e racionalidade. Existe, de fato, uma noção de tensão no ar, mas junto dela, o ouvinte consegue perceber, também, requintes de uma falsa sensação de conforto em meio ao sombrio. Esse é o cenário ofertado pela guitarra solitária, aguda e de viés cínico na forma como faz ressoar, pontual e linearmente, seu riff ecoante. Quando Varisco surge com uma interpretação lírica que sugere embriaguez, a estrutura se mantém linear em sua essência rígida e cabisbaixa até que o surpreendente acontece. No refrão, Kittila desvenda suas silhuetas dramáticas ao passo que o cantor passa a ser acompanhado por um vocal agudo e delicado que, vindo de Tin Sky, auxilia na criação de um viés choroso e sofredor que é amplificado pelo sobrevoo lacrimal e lamentador do violoncelo de Linda Varagnolo. Kittila se matura, então, como uma canção de dores nostálgicas que evidencia a dependência sentimental, ao mesmo tempo que destaca a forma como a solidão pode trazer a loucura para um indivíduo carente não apenas de amor, mas de felicidade, satisfação e vivacidade.


A junção sincrônica entre banjo, violão e gaita é extasiante. Macia, alegre, doce e floral, a melodia introdutória é de uma atração generosa e educada, que faz o ouvinte se sentir à vontade e confortável para entrar no ambiente imagético por ela proposto. Nele, o céu não é ensolarado, mas seu tom poente assume um caráter encorajador, repleto de compaixão e motivação. A partir do frescor que vem junto do anoitecer, o açúcar se torna confortavelmente nostálgico e melancólico, conforme a melodia serena vai desenhando contornos folks delicados. To Move On é uma canção gentil que trata de um indivíduo não apenas no processo do luto pelo fim do relacionamento, mas também buscando meios de superar as dores do coração, enquanto segue a trilha do destino. Não é à toa que sua melodia é como estar sentado no alto de uma colina observando o Sol se pôr no além-mar com lágrimas nos olhos pelas imagens de um passado encantador que o inconsciente não cansa de reprisar.


A trincheira está silenciosa. Porém, existem olhares bem atentos escondidos entre as barricadas que protegem contra o inimigo a uma distância próxima. O suor corre frio pela testa, mas as mãos estão firmes segurando as armas. De repente, um sonar semelhante a um tiro corta o marasmo do silêncio ecoando pela imensidão inóspita. Conforme o tempo passa, tal ideia se esvai e atinge a forma de uma marcha fúnebre que é dominada pelos golpes estridentes na caixa da bateria e a simetria introspectiva das guitarras de Mazzilli. De brisa macia, mas de caráter curiosamente melancolico, Song Of Joy vai calmamente evoluindo para uma estética céltica por meio da combinação de texturas entre o educado dulçor do piano de Stella Burns e a guitarra acústica. Tal sonoridade dá à canção um suor de veia reflexiva enquanto, por meio da voz rouca de Varisco, o diálogo vai proporcionando ao ouvinte a construção imagética de um cenário regido por uma luz solar reenergizante e motivacional. Sob a sinergia dos backing vocals de Linda Nordio, Song Of Joy vai se tornando adoravelmente delicada, detalhe que contrasta com um enredo de cunho estranhamente mórbido. Afinal, na presente canção o narrador explora uma consciência madura, mas desesperançosa em relação à sua relação com a pessoa amada. Mais do que uma canção de superação, Song Of Joy flerta com a proposta de Winds Of Change, do Scorpions, no recorte da guerra e do desejo insano pela fuga do sofrimento que o cenário bélico configura na sociedade. Por isso que Song Of Joy soa como a morfina contra a dor da perda não apenas física, mas também emocional, daquelas pessoas que foram profundamente feridas pelo contexto guerrilheiro.


O violão cresce gradativamente e de maneira educada, como o Sol se apresentando por de trás das montanhas e dando ao cenário dormente, a luz que traz a chegada de uma nova oportunidade. Que traz e faz acontecer a vida. Minimalista e delicada em sua estrutura folk, a faixa-título, a partir da interpretação lírica, encarna uma energia nostálgica contagiante. Quase como um interlúdio, a faixa é uma forma que o personagem encontrou de se manter em contato com as memórias não somente de uma experiência profundamente feliz, mas de uma pessoa que o completou de todas as formas. É quase como uma canção de despedida. O atestado de consciência daquilo que não se tem mais volta e da maturidade para seguir com a vida, mas mantendo uma relação de afeto com as lembranças do passado.


Macia e fresca como o entardecer de inverno em uma praia nórdica deserta, o novo ambiente não demora em ser estruturado sob uma base contagiantemente blues, mas cuja instrumentação é dominada por um groove no limite entre a corpulência e a estridência do baixo, que segue em uma ondulância linear ao lado da bateria. Quando a guitarra entra com seus uivos que soam como uma repentina brisa que faz balançar as cortinas da janela entreaberta, a canção passa a oferecer, também, curiosos requintes de indie rock em meio à sua receita melódica. É assim que Pic From A Plane, com sua silhueta majoritariamente acústica, propõe um dueto entre Varisco e Tin cuja essência transpira não somente as lembranças de um amor correspondido, mas a alegria de um futuro em que essa mesma reciprocidade será revivida de forma intensa a partir da generosa dose de saudosismo pela companhia um do outro. Um processo de lembranças e desejos vivenciados somente pelo gatilho de uma foto vista durante um voo.


Próximo aos seus últimos suspiros, These Gloves surpreende o ouvinte ao trazer um In The Forest, um interlúdio preenchido pelo improviso, pela espontaneidade. Entre chiados do vento, os integrantes que compõem o álbum conversam e riem de maneira descontraída, sugerindo, ao ouvinte, um clima amistoso. De amizade.


Os chiados seguem no novo ambiente como uma nova maneira de desenhar a silhueta do silêncio. Aqui, esse ingrediente não quer apenas trazer algo ambiente, mas imputar algo definitivamente sonoro, uma textura a somar com o contexto melódico. É assim que o lo-fi é usado como abre-alas desse cenário inédito. Quando o ouvinte já via embriagado e hipnotizado pelo vazio, Varisco surge rompendo o silêncio com seu timbre já caracteristicamente rouco e rasgado. Junto a ele, o violão o acompanha como um velho companheiro. Um elemento que, além de mergulhar a sonoridade em uma macia melancolia, traz um amaciado dulçor fresco e entristecido. Sob o mesmo feito da introdução, Last Time segue majoritariamente minimalista na exploração da delicadeza com poucas texturas até que, próxima aos seus últimos ímpetos de consciência, ela acorda em uma súbita e repentina dosagem de adrenalina quando a gaita surge com um grito curiosamente suave, interessantemente aveludado em sua estridência adocicada e ampliando o caráter sensitivo que transporta o ouvinte para um lugar de essência agradavelmente bucólica. Com essa sonoridade, Last Time, um folk enxuto, fornece um lirismo surpreendente em sua proposta reflexiva, a partir do recorte do momento da passagem entre a vida terrena e a espiritual, sobre o que dará mais saudade. Pode ser o beijo e o abraço maternos. As luzes da cidade. Os olhares e os toques apaixonados. Last Time é onde o tocante se une ao mórbido, ao nostálgico e ao melancólico. Onde o ultrarromantismo se une à delicadeza e à vontade de deixar um legado de amor a ponto de despertar, no outro, a saudade dos dias que não mais serão experienciados.
 
Existe um pensar de que, para fazer algo grandioso, especialmente na música, precisa de muitos elementos, criar diversas camadas, para deixar cada produto épico, tocante e espantosamente magnífico. Porém, existem aqueles que acreditam que, mesmo com pouco, esses mesmos resultados podem ser alcançados. Com These Gloves, Tommaso Varisco não apenas se apoiou no minimalismo estético como também propôs diálogos pungentes e urgentes que contrapõem de maneira audaciosa a ideia de que o folk sugere apenas a delicadeza em sua totalidade.


De fato, as melodias experimentadas no álbum são demasiadamente serenas. Porém, em meio a essa suavidade que, por muitos momentos, chega a hipnotizar e embriagar o ouvinte, existe o drama, a urgência, a consciência, a reflexão, a maturidade. Há a necessidade do refletir as emoções humanas e suas carências.


Entre seus 11 capítulos, These Gloves consegue imputar o romantismo na maioria dos contextos líricos para dar cores interessantemente amorfinadas em meio às propostas densas e ácidas de seus enredos. Com direito a até mesmo o ultrarromantismo como base de alguns diálogos, Tommaso Varisco se utiliza do som para falar da ausência de pertencimento, da saudade, do amor, de gratidão.


A superação, canções de urgência pelo seu caráter social e a dependência sentimental também estão presentes entre os temas propostos por Varisco para preencher os conteúdos líricos de seu novo álbum. E para auxiliá-lo na criação de um esqueleto sonoro capaz de representar cada uma das emoções pretendidas com tais enredos, o cantor se aliou a um bom time de músicos que foi capaz de capturar cada essência emocional.


Eis então que surge a sincronia entre Varisco, Mazzilli e Dall’Aglio. Os profissionais, além de fazerem parte da seção criativa propriamente dita, também se responsabilizaram pela parte técnica, em especial, da mixagem. Talvez por esse detalhe, ou não, o trio conseguiu fazer com que cada canção tivesse uma personalidade facilmente notável pelas percepções do ouvinte a partir das emoções que delas eram transpiradas. Foi assim que o simples e esmagadoramente majoritário folk se tornou dramático, melancólico, nostálgico, sofredor e romântico ao se unir com o indie rock e o lo-fi.


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada também por Varisco, ela bebe de uma ideia semelhante da fotografia de Richard Beland e Kevin Estrada usada para estampar All The Right Reasons, álbum do Nickelback. Apesar de estar em preto e branco, a fotografia de These Gloves não esconde seu monocronismo cinza esbranquiçado. Com o auxílio de uma estrada nórdica vazia, ela exala a melancolia, uma ideia que serve como base de todo o enredo melódico-lírico do álbum, mas também a ideia de movimento, de constância. De superação.


Lançado em 20 de janeiro de 2024 de maneira independente, These Gloves é um álbum folk com um minimalismo estético audacioso que faz com que cada faixa possua uma persona própria. Um álbum onde o romantismo se funde à melancolia e à nostalgia. Um álbum que se faz pensar, chorar, amar. Lembrar. Um álbum que, com pouco, se fez muito. 

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.