Red Hot Chili Peppers - São Paulo 2023

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Naquela tarde do dia 10 de novembro, a temperatura, caiu rapidamente em fração de uma hora. Entre as 15 e as 16h, os relógios urbanos indicaram uma queda de cinco graus, saindo dos 28ºC e atingindo 23ºC, deixando a cidade de São Paulo com um clima confortavelmente ameno.


Com esse clima, a Avenida Francisco Moratto, nos arredores do metrô Morumbi, apresentava um movimento de pedestres tão intenso quanto o de veículos. Pessoas iam e vinham em velocidades que se equilibravam entre a pressa e a calmaria, enquanto dividiram espaço com os vendedores ambulantes posicionados no meio fio.


Como um funil, aquela cauda de pedestres vestindo preto fluía livremente para o interior da Rua Jorge Saad. Nela, as vias estavam bloqueadas para os carros, o que deixava mais independente o trajeto das pessoas e mais opções de locais para que os vendedores ambulantes expusessem seus produtos.


Quanto mais se infiltrava na rua, era possível vislumbrar, no horizonte, a arquitetura redonda do Estádio do Morumbi. Ali era o destino daquela multidão de pedestres que não se acovardou nem com uma repentina garoa e onde, dali algumas horas, receberia o Red Hot Chili Peppers e seus companheiros de abertura do Irontom.


Dentro do local, a movimentação era intensa. Por mais que as pessoas iam e vinham do interior do estádio para seus respectivos setores, a pista premium, às 19h34, ainda tinha um volume de espaço livre considerável, assim como se apresentava ambos os lados da arquibancada.


Um súbito alvoroço começou quando, nos telões, a imagem do Red Hot Chili Peppers apareceu durante a transmissão da apresentação das especificações técnicas do estádio. Porém, esse recorte de frenesi logo se dissipou, deixando o público ali presente novamente na companhia do som ambiente.


Irontom


Às 19h44, o estádio presenciou um eco uníssono, mas repentino, de gritos estridentes. Foi quando as luzes se apagaram e o Irontom assumiu seu posto no palco, enquanto já introduzia Common Chaos, sua canção de abertura cheia de pressão e fazendo os milhares de ouvidos da plateia se atentarem à melodia.


Con Artist, que veio em seguida, foi surpreendentemente bem recebida pelo público, que fez seus gritos estridentes reverberarem por todo o estádio. “São Paulo, tudo bem? Tudo bem? Lets boogie!”, disse o vocalista Harry Hayes, enquanto era correspondido por gritos histéricos e introduzia Call Me The West.


Obrigado, São Paulo! We are Irontom from California!”, agradeceu Hayes. Após essa breve interação, público formou um único corpo vocal ao gritar, em tom de ordem ‘Irontom’. Aproveitando tal energia, Down For Watever se tornou a trilha sonora do estádio do Morumbi.


Na bluesada Big Shot, banda foi acompanhada pelas palmas do público fazendo o compasso rítmico durante toda a execução. Como um ato de interação de improviso, Hayes incentivou a plateia a cantar o refrão onomatopeico, atitude fácil e alegremente atendida. Iniciativa perdurou até mesmo por mais alguns instantes após a execução da canção, tornando o momento o primeiro ponto alto do show.


Passada Super//Star, a apresentação chegava ao seu segundo ponto alto, mas dessa vez, ao som de um cover. Sendo Feel Good Inc., single do Gorillaz, a música escolhida para reprodução, o ambiente não seria diferente, se não consumido por um ovacionar de gritos histéricos. Aproveitando o frenesi, Hayes puxou palmas rapidamente repercutidas pelo público. O que mais chamou a atenção, porém, foi a nova roupagem, dada à música pelo Irontom. A nova versão ganhou uma interpretação muito mais ácida que a original, sendo capaz de arrancar os mais diversos elogios do público, que ainda atendeu ao pedido de fazer uma ola no compasso rítmico da canção em uma proposital repetição do instrumental após seu encerramento oficial.


O setlist ainda contou com Stick Figure Attack e Be Bold Like Elijah, canções que conseguiram animar o público, mas em graus menores daqueles de Big Shot e Feel Good Inc. Após apresentar o restante dos integrantes, sendo o guitarrista Zach Irons, o tecladista Dan Saslow e o baterista Dylan Williams, Hayes agradeceu a plateia alegremente e com ar de satisfação, decretando, às 20h30, o fim do show do Irontom em São Paulo.


Em retrospecto, o grupo californiano surpreendeu pela pressão e precisão sonora, além da evidente afinação dos músicos. Porém, é inevitável a concordância de que uma das coisas que mais ficará na memória dos presentes é a recorrente repetição da frase de ordem de Hayes pedindo ‘mãos, mãos!’, em um desejo insano de fazer o público levantar as mãos o mais alto possível.


Não há contra-argumento de que o Irontom conseguiu mostrar que possui um som potente e capaz de agradar desde às massas aos ouvidos mais requintados. Não há dúvidas, também, de que Hayes foi um poço de simpatia e empatia, sempre sorrindo e transparecendo uma feição de honesto ânimo e alegria pelo momento.


Enquanto a movimentação no palco era intensa pela presença dos roadies ajeitando o espaço para a apresentação do Re Hot Chili Peppers, o público, por conta própria, puxou uma ola geral. Além disso, a plateia ainda entoou gritos súbitos que sonorizaram o estádio com seus sonares estridentes e de extrema agudez.


Red Hot Chili Peppers 


Às 21h07, o Estádio do Morumbi virou breu, tendo apenas uma luz azulada em tom místico iluminando o palco enquanto uma ópera dramática era reproduzida pelos alto-falantes.  Tendo ela como abre-alas, os integrantes do Red Hot Chili Peppers, com exceção de Anthony Kiedis, entraram calmamente no palanque e, sem demora, puxaram Intro Jam, recebida aos gritos e movimentos de vaivém de cabeça e tronco. Prelúdio foi responsável, durante o solo de guitarra de John Frusciante, levar a um primeiro frenesi.


Sem nem dar chance de o público tomar fôlego, Frusciante e o baterista Chad Smith puxaram a introdução de Can’t Stop, reproduzida pelo público com cantos vocálicos seguidos de gritos estridentes, enquanto Kiedis se posicionava à frente do microfone. Regada a estardalhaços, cantos uníssonos durante o refrão e olhares de uma satisfação entusiasmante transpirados pela plateia, a faixa foi sede de um momento que, pela altura da cantoria dos presentes, dificilmente era possível ouvir com clareza os versos cantados pelo vocalista.


The Zephyr Song teve o mesmo efeito, sendo cantada sem respiro pelo público por toda sua execução. Pelo volume de mãos extremamente estendidas, a cena foi de uma beleza peculiar até pelo fato de, nas arquibancadas, as luzes sintéticas dos celulares criarem um clima quase missionário para com a canção.


De súbito e assustando a plateia, o baixista Flea solta um grito alto, agudo e estridente no microfone enquanto Snow era apresentada ao público. Durante tal performance, os pagantes mantiveram o mesmo estado de excitação entregue nas faixas anteriores. A mesma entrega, a mesma intensidade. Um novo culto visceral.


Com uma introdução improvisada e ácida criada pelos músicos, o Red Hot Chili Peppers foi surpreendido com os gritos do público entoando ‘John Frusciante'. Sem se abalar, o grupo iniciou Here Ever After, música que foi ouvida em um silêncio quase assustador, mas com uma plateia de corpo mole que se mexia desengonçadamente dançante no compasso da melodia

.

Depois de um cover animado de Havana Affair, single dos Ramones, Eddie foi introduzida, levando até Kiedis a se contaminar pela energia de sua própria canção, fazendo com que, durante os momentos instrumentais, dançasse frenética e desajeitadamente em um verdadeiro estado de sincronia enérgica. No chão, o público fazia sua própria interpretação da coreografia criada pelo vocalista.


Depois de Parallel Universe ser recebida energicamente entre gritos e pulos, Soul To Squeeze veio em seguida amornar os corações dos presentes com seu soft rock swingado, fresco e praiano. Nela, a pedido de Kiedis, toda a plateia foi preenchida por luzes saindo dos celulares de forma a parecerem pingos de um branco sintético iluminando todo o estádio.


Tell Me Baby foi recebida aos gritos e assistida em um ânimo evidente, mas foi, após a interpretação Frusciante no cover de Terrapin, single do Syd Barret, que todo o ambiente foi preenchido por uma energia profundamente comovente. Desde a introdução instaurada pelo baixo, a dramática Don’t Forget Me foi recepcionada com grandiosa euforia. Com seus refrões sendo cantados de maneira visceral pela plateia, o estádio foi tomado por uma energia contagiante e curiosamente nostálgica, tornando a música outro importante ponto alto da apresentação.


De maneira surpreendente e indo contra todas as expectativas, Californication foi ouvida por público estático em seu torpor, apenas cantando entre os pré e os refrões. Era como se a plateia estivesse em um estado de transe absoluto. Em contraponto, Flea foi aquele que exortou toda a sua energia acumulada ao praticar pulos insanos durante a faixa.


Depois que Black Summer, a única canção de Unlimited Love presente no setlist, ser recebida pelos fãs com palmas e sorrisos, além de cantorias durante o refrão em um ânimo surpreendentemente superior ao de Californication, By The Way fez o estádio ruir. Nela, a plateia, entre pulos e danças rígidas, cantou toda a parte lírica em um uníssono capaz de ser ensurdecedor. Outro importante ponto alto da performance.


Passado esse feliz caos, o Red Hot Chili Peppers saiu do palco mostrando a triste realidade de que o show estava chegando ao fim. Enquanto não retornava ao palanque, os camera mans filmaram diversas homenagens feitas pelo público à banda que, ao retornar, fez do Morumbi uma única voz ao performar a melancólica Under The Bridge. Canção contou ainda com uma superfície de mãos chifradas e um público valsante na sincronia da melodia.


Com Flea no topo de uma estrutura sem funcionalidade para os músicos e um público pulando como um só corpo fazendo o Morumbi ruir, Give It Away entrava em cena fazendo cada um dos presentes se balançar e cantar a plenos pulmões o refrão de versos homônimos. Antes do acorde final ser executado, Give It Away ainda teve um instrumental densamente ácido que fez o público se reenergizar por instantes e pular com uma intensidade tão grande quanto aquela vivenciada no início da canção.


Às 22h50, entre gritos estridentes e palmas, Smith, o último integrante do grupo ainda no palco, deixou o espaço decretando fim à apresentação paulistana do Red Hot Chili Peppers e à metade de sua curta residência no Brasil para apresentar a Global Stadium Tour, a sequência de shows para divulgar tanto Unlimited Love quanto Return Of The Dream Canteen, a dobradinha de lançamentos de 2022.


Seu legado ainda persiste e é forte. Com 1h43 de showm o Red Hot Chili Peppers presenteou o público paulistano com um setlist regado a grandes hits em uma performance que se embrenhou entre a calmaria, mas que também foi discrepante ao se comparar os níveis de entrega banda-público.


Por parte da plateia, a entrega foi visceral. Não houve lágrimas, mas a participação foi capaz de levar os presentes ao seu ponto máximo de energia. É verdade, porém, que em muitos momentos a pose assumida pelo público foi de uma espécie de torpor extasiado. Contudo, a energia de satisfação e gratidão que dele era exalada, podia ser sentida a longas distâncias.


Por parte da banda, Kiedis não fez firula, se mantendo estritamente em seu papel de cantor, sem se arriscar em interações muito longas, que precisassem sair do padrão do ‘obrigado’, São Paulo’ e que, portanto, demandam um maior estudo do português. Flea, por outro lado, foi o bobo da corte, dando susto na plateia com seus gritos estridentes e chamando atenção com seus movimentos corporais frenéticos.


Apesar de o público, em muitos momentos, reverenciar Frusciante, pouca ou nula foi a resposta do músico para com as demonstrações de admiração. E Smith, por sua vez, foi um maestro, tocando com leveza das frases mais intensas às mais serenas, mas, também, sem grande destaque em relação à sua sintonia com o público.


De maneira geral, não dá para dizer que o show teve pontos altos, pois em sua grande maioria, a entrega do público teve a mesma energia e intensidade. Ainda assim, é fato que durante as faixas Can’t Stop, The Zephyr Song, Snow, Eddie, Parallel Universe, Tell Me Baby, Don’t Forget Me, By The Way, Under The Bridge e Give It Away houve um frenesi diferenciado.


Ainda que o Red Hot Chili Peppers tenha colocado apenas Black Summer como representante de suas mais recentes composições, a receptividade para com ela foi generosamente amistosa. Isso mostrou uma maleabilidade do público em relação às canções novas do grupo.


Cordial, mas também burocrático e intenso. Com sete minutos de atraso, o Red Hot Chili Peppers fez um show alegre e contagiante, qualidades tais muito conquistadas também pelos seus conterrâneos do Irontom graças ao carisma de Hayes e à qualidade sonora da banda.


O Estádio do Morumbi foi a primeira casa, desde a Arena Anhembi, a receber um show solo do Red Hot Chili Peppers na cidade de São Paulo desde 2013, quando sediou a apresentação da I’m With You World Tour. Agora, com a Global Stadium Tour, o grupo não só abrilhantou a noite paulistana do dia 10 de novembro, mas também fortaleceu seu legado como uma das bandas californianas mais influentes ainda em exercício.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.