SMKC - São Paulo 2024

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Com céu cinza e banhada por uma chuva gelada de verão, São Paulo mantinha a rotina com seus 21ºC em pleno auge da tarde. Nas proximidades do metrô Barra Funda, mesmo sob tal cenário, certos detalhes destoavam daquilo comumente considerado normal para uma quarta-feira.


Nos corredores de acesso ao metrô, gritos eram ouvidos anunciando capa de chuva ‘para o show’. Além desse som incomum, diversas araras improvisadas divulgando os mais diferentes souvenirs para a dita apresentação construíam um cenário diferente àquela paisagem urbana.


No Espaço Unimed, local que sediaria o show do Slash feat. Myles Kennedy & The Conspirators, ou, simplesmente, SMKC, às 17h30 já era possível observar grades indicando as disposições das filas por setor e diversos profissionais credenciados para prestar apoio ao público do evento. Mesmo com pessoas vestidas a caráter para a apresentação, o único local com singela concentração de pagantes era a área destinada à plateia PcD, logo afrente da entrada principal.


Às 18h36, os organizadores começaram as filas para a faxada do Espaço Unimed, dando a real noção da quantidade de público que aguardava, ansiosamente, a abertura dos portões para, finalmente, conquistar o melhor espaço para desfrutar do evento. Tal ansiedade muda perdurou até às 19h, quando a casa foi oficialmente aberta.


Quase uma hora depois, os pagantes que entraram e que conquistaram gloriosos e suados metros quadrados na grade da pista premium já fizeram, entre si, uma verdadeira prensa. Se espremendo mutualmente sem pudor, os presentes acabavam se contorcendo ao passo que mais pessoas tentavam um lugar que lhes dessem uma visão privilegiada do palco.


Às 19h31, com a casa quase lotada, o público já se mostrava com uma ansiedade fora do normal. Porém, essa emoção ainda teria de ser vivida e sentida pelo tempo do show de abertura e mais os 30 minutos restantes para, enfim, se deleitar com a performance tão aguardada do SMKC.


Velvet Chains


Às 19h55, após a exibição do vídeo de apresentação do Espaço Unimed, o Velvet Chains entrava em cena com um punch com uma equilibrada mistura de elementos dooms e soturnos. Dessa forma, não demorou muito para que o público lançasse olhares de admiração e de aceitação para com a performance executada pela banda.

Com um som áspero e metalizado, o grupo chamou atenção pela consistência melódica e pressão, ainda que tendo o início da apresentação assistida por um público de postura majoritariamente muda. 


We’re from LA! Vou falar em português… Vocês são foda! We’re going to play this next song for the very first time live. She’s not officially released yet”, interagiu o vocalista Ro Viper ao introduzir a soturna, visceral e dramática Enemy, faixa que, como as anteriores, foi ovacionada pela plateia ao seu término.


Em Eyes Closed, com convite de Viper, o público acabou respondendo bem às palmas, as executando organicamente desde a segunda metade até o encerramento da referida canção. Tal cenário conferiu à performance o primeiro ponto alto da apresentação do Velvet Chains em vista da entrega da plateia.


Essa próxima música, nós gravamos um videoclipe aqui, em São Paulo!”, anunciou Viper ao introduzir Stuck Against The Wall. Daí em diante, o Velvet Chains seguiu com Suspicious Mind, cover de Elvis Presley que chegou a instigar pontos de frenesi e histeria no público, e a apresentação de Last Drop, faixa romântica que, segundo o próprio Viper, é a melhor canção do grupo.


O Velvet Chains foi uma banda que surpreendeu pela sua desenvoltura e química como banda. Individualmente, o grupo presenteou o público paulistano com uma boa presença de palco, se movimentando por todo o espaço disposto no palanque e demonstrando visível confiança.


Ainda assim, o que mais chamou a atenção foi a sinceridade e a entrega do vocalista, que usou a última canção para apresentar Nils Goldschmidt, baixista, Burton Car, guitarrista solo, Jason Hope, baterista, e Larry Cassiano, guitarrista rítmico, seus companheiros de banda.


Com um visível mergulho para com a cultura local, Viper falou com o público mais em português do que seu inglês pátrio, além de mostrar bom controle sobre a plateia com seu carisma alegre, sorridente e atraente. Dessa forma, o Velvet Chains acabou sendo, definitivamente, uma boa escolha de abertura para o headliner SMKC.


Interessante foi notar que, após o show de introdução, o público se manteve surpreendentemente calmo durante os 20 minutos para que o grupo headliner enfim assumisse seu posto no palco. Foi momentos mais tarde, quando o palanque assumiu uma coloração escura pelo seu tom azul místico e a entrada dos fotógrafos foi liberada na banheira, que o público entrou em delírio. A hora tão esperada havia, enfim, chegado.


SMKC


Exatamente às 21h, Brent Fitz foi o primeiro a aparecer caminhando pelo palco e assumindo seu posto sobre a bateria. Slash veio logo em seguida junto de seus outros companheiros de banda e fez dar o verdadeiro start ao principal show da noite com The River Is Rising, levando o público a uma completa e catatônica histeria.

Com ligeira calmaria, Driving Rain teve um público de excitação levemente mais branda, mas ainda notadamente enlouquecido. Foi durante a terceira faixa, porém, que o Espaço Unimed ruiu pela primeira vez. Em Halo, a plateia pulou como um só corpo, bateu palmas descompassadas em virtude da insanidade causada pela densa injeção de adrenalina e esperneou em um frenesi quase esquizofrênico tamanha a sua intensidade.

Seguindo o mesmo caminho, Too Far Gone chegou com uma recíproca intensidade entre banda e público, que permanecia assustadoramente ensandecido. Desse punch rítmico-melódico, o SMKC seguiu com a proposta de pisar um pouco no freio com Back From Cali. Surpreendentemente, porém, a faixa foi recebida de maneira histericamente libidinosa pelo público.


Foi apenas três canções mais tarde, com Always On The Run, cover do Lenny Kravitz, que o sangue da plateia foi reaquecido. Como a primeira faixa da apresentação a contar com o baixista Todd Kerns nos vocais, ela foi recebida com notável empolgação e gritos de satisfação ao ver o músico no centro do palco.

Bent To Fly pegou o gancho da canção anterior e foi palco da instauração de um novo frenesi. Nela, Slash se arriscou a solar entre rápidos e intensos rodopios no canto direito do palco, mostrando, também, um alto grau de excitação recíproca e tornando a canção outro importante momento da noite.


Sugar Cane chegou logo em seguida com um infeccioso grau de libido que capturou facilmente o ouvinte e o fez entrar em um êxtase delirante entre gritos e pulos descompensados. A canção foi mais uma a entrar no rol de músicas de generosa intensidade executadas na ocasião.


Spirit Love, Speed Parade, um cover do Slash’s Snakepit, e We Will Roam foram momentos de boa performance, mas que funcionaram como momentos de respiro até Kerns reassumir os vocais para executar Don’t Damn Me, cover do Guns and Roses. Nela, o baixista puxou palmas e ‘heys’ ditos em intonação de ordem, o que foi muito bem recebido pelo público.


Starlight chegou com um efeito mais profundo que aquele de We Will Roam, pois recordou o começo de tudo, da história bem sucedida entre Myles Kennedy e Slash que, em 2024, completa mais de duas décadas. Single fez com que a plateia mergulhasse em um delírio aveludado e de essência romântica a partir de sua entrega extasiante.

Wicked Stone reintroduziu o punch e a sonoridade metalizada com direito a Kennedy e Frank Sidoris dando apoio nas guitarras rítmicas, enquanto Slash executava um solo estendido. Em April Fool não houve firulas, mas Kennedy presenteou o público com uma interpretação lírica teatral, além de instigar palmas e valsas braçais rapidamente correspondidas.


Feel My World veio em seguida sem frenesi. Porém, a canção seguinte surgiu apenas com uma histeria leve pela homenagem a Lemmy Kilmister que Slash sempre faz ao deixar Kerns cantar Doctor Alibi, faixa que teve a introdução executada por Sidoris. Desde Wicked Stone, no entanto, a energia só foi retomada após essas duas canções.


You’re A Lie foi responsável por reavivar a plateia, que gritou e pulou em um novo surto enérgico. Seguindo esse caminho e com o sangue ainda mais fervilhante, o público se entregou mais visceralmente a World On Fire pulando, gritando e a cantando durante toda a sua execução.


Com energia agora borbulhante, o público foi recebido com um balde de água fria por, depois do cenário incendiário construído na canção anterior, ser levado a uma pausa dramática que consistiu no intervalo antes da realização do bis. Ainda assim, a plateia foi logo puxando palmas e assobios pedindo pelo retorno do grupo.


Ao voltarem para o palco sob uma luz suave e intimista, o quinteto tocou a própria adaptação de Rocket Man, single do Elton John. O interessante foi que, nela, Slash se responsabilizou pelo lap steel e Fitz ficou a cargo do teclado, enquanto Kerns, Kennedy, que surpreendeu pela sua interpretação R&B, e Sidoris, se mantiveram em suas posições.


Depois de um deboche de Kennedy com seu ‘solo’ de triângulo, Slash puxou a introdução de Anastasia, a saideira. Público ficou em um estado de frenesi extasiado durante até mesmo o solo longamente prolongado que, assim como em Wicked Stone, teve o apoio de outras duas guitarras na base rítmica. Ainda assim, a demora para encerrar tal virtuosidade retardava, também, o decreto do fim da apresentação, que veio inevitavelmente a se confirmar às 23h15.

O que o show mostrou de interessante, é preciso dizer, foi a aparição de um Myles Kennedy sorridente, mais solto e notadamente mais à vontade. De postura até mesmo mais confiante, o músico se arriscou, inclusive, a brincar com a plateia em momentos pontuais com seu humor à la tio do pavê, como aconteceu nos momentos que antecederam a introdução de Anastasia.


No que tange a banda como um todo, também houve uma atividade diferenciada. Mais entrosada, sinérgica e sintonizada, a banda entregou um som mais preciso, equilibrado e equalizado, além de criar uma energia mais harmoniosa que transcendeu por todo o Espaço Unimed. Não à toa que ela ofertou uma apresentação de 2h15 com um repertório de 24 músicas que abrangeu, sem exceção, toda a sua discografia.


É necessário pontuar, nesse quesito, a desenvoltura de Fitz, que, durante toda a performance, se manteve com uma postura dura e rígida. Além de, inclusive, mostrar feições de puro cansaço e até mesmo desespero nos momentos de improvisação de Slash, o baterista, nesses instantes, claramente se mostrava sem saber o que fazer, executando as mesmas viradas endurecidas com o intuito de ganhar um pouco mais de noção de mobilidade, enquanto o guitarrista desfilava criatividade e energia. 


Já com relação à plateia, ela também mostrou uma receptividade diferenciada das outras vezes em que o SMKC se apresentou em São Paulo. Na noite daquele 31 de janeiro chuvoso, o público se posicionou verdadeiramente entregue e receptivo para com as canções do grupo, com uma histeria esquizofrênica nunca antes vista.


Com base no intervalo de tempo entre a apresentação de 2019 e essa, não importa se outros cinco anos terão de ser aguardados para o retorno do grupo ao Brasil. Afinal, na pernada paulistana de sua The River Is Rising Rest Of The World Tour ‘24, o Slash feat. Myles Kennedy & The Conspirators mostrou maturidade como grupo, consciência musical e uma grande capacidade de cativar o público a partir da versatilidade dos músicos e da sabedoria em compor grandes hits.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.