Terje Gravdal - The Wild Child

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Ele acaba marcando o início de abril e, também, o do segundo trimestre de 2025. Mais importante que isso, porém, é o fato de ser o primeiro EP de Terje Gravdal a ser lançado no ano. The Wild Child tem seu nascimento no mesmo dia que Winds Will Cover é anunciada. Anteriormente, material foi ventilado com os prévios anúncios de outros dois de seus singles.


O violão surge doce, mas com uma postura que, curiosamente, é traduzida sob uma postura protetora, tal como um pai que observa atentamente o filho. Ainda assim, nas entrelinhas de suas nuances que transpiram um suave frescor, o instrumento é capaz de proferir um ar de preocupação envolto em toques de lamento. Embebido em um alto grau de serenidade, é até capaz que o ouvinte identifique, nele, uma natureza melancólica curiosamente terna. Assim que o primeiro verso se inicia, a canção recebe a entrada de uma voz masculina de timbre agradavelmente grave. Vinda de Terje Gravdal, ela comunica uma interpretação lírica intimista e que exorta um caráter denotativamente frágil. Tal essência é, inclusive, engrandecida através de um coro que surge durante o refrão fazendo, ao mesmo tempo, surgir e amplificar a harmonia lírica a tal ponto que transcende os limites do som e captura o mais profundo do serene emocional do espectador. Com doçura e gentileza, a faixa soa como a pureza e a ingenuidade de criança, enaltecendo, uma vez mais, a fragilidade e a vulnerabilidade. Curiosamente, no entanto, Wild Child traz consigo um enredo que apresenta um personagem praticamente refém de sua própria necessidade por liberdade e uma curiosa incompreensão em relação à sociedade. É aí que mora a alma da faixa: a crítica reflexão ao sistema educacional moderno, o trazendo como uma máquina aparentemente desatualizada que não sabe lidar com aqueles que não se enquadram com o tradicionalismo ou, mesmo, com aquilo que é tido como conservador. O novo exige novos métodos, mas, nem sempre, existe humildade para admitir tal cenário.


Nesse novo ecossistema, existe uma paisagem tipicamente bucólica de temperatura morna e agradável. Mantendo a delicadeza como uma espécie de mote sensorial, a obra traz, com destaque, a guitarra lap steel com seus uivos aveludados se sobressaindo da base melódica moldada de maneira ondulante e sincrônica entre os violões. Entre backing vocals enaltecendo certas palavras que adornam o enredo lírico, Gravdal se movimenta com serenidade através de um arranjo minimalista e introspectivo de alma acústica. No entanto, o que acontece é uma feliz surpresa quando a faixa-título mergulha em um refrão harmônico em meio à sua simplicidade estrutural. Com mais ênfase dos backing vocals, a harmonia lírica se torna mais vibrante em meio aos versos vocálicos entoados com fragilidade, o que torna a paisagem campestre ainda mais atraente. Tendo a bateria como elemento responsável por desdenhar uma camada rítmica amaciada, mas precisa, Winds Will Cover apresenta, através de seu lirismo, a verbalização que indica a contradição entre a geopolítica e os dilemas ético-morais que surgem com as guerras através da constatação de que o poder supera qualquer indício de moralidade na gana pelo alcance de resultados. A partir daí, não é difícil que o ouvinte identifique tons de súplica e de um lamento tão profundo capaz de dar, às lágrimas, texturas de lâminas que cortam o seio da face como uma resposta à dor muda vivenciada através da manipulação travestida de preocupação oferecida pelos governos em cenários bélicos.


É até difícil de encontrar palavras para descrever o que um único instrumento pode fazer o ouvinte sentir. Com uma doçura de extrema gentileza e delicadeza, o violão entra em cena quase como de mãos dadas ao ouvinte em um gesto terno de cuidado e atenção. Macio e vulnerável, mas transpirando uma energia emocionalmente nostálgica a cada nova curva sonora executada, esse elemento é capaz de fazer com que as lágrimas escorram livremente pelo seio da face do espectador em virtude de seu ápice de brandura. Surpreendentemente, uma voz feminina açucarada entra em cena com uma vulnerabilidade palpável. Quase como se fosse possível sentir sua pureza e ingenuidade, Julie Love torna a atmosfera tão leve que chega a transformá-la em algo transcendental. Entre ligeiros melismas, a cantora faz do folk minimalista uma experiência extrassensorial que transpira, ao mesmo tempo, traços de um romance aparentemente esquecido enquanto oferece lampejos de uma impressionante agonia que salta a cada nova extensão vocal assumida pela cantora. Sonhadora, resiliente, mas sem esconder sua melancolia, Julie dá voz a um personagem que se vê preso em memórias de um presente aflitivo que não a deixa esquecer sua função como mera prisioneira de sua própria realidade. Interpretada de maneira tão angelical e sincera por Julie, mas capaz de exortar o grau lancinante de desalento, desespero e torpor, principalmente ao sinal da entrada de Gravdal, Hostage In My Home se mostra um retrato da fragilidade humana e de sua natureza imprevisível. 


Uma nova atmosfera vai se firmando. O Sol, no horizonte distante, vai se evidenciando com uma luminosidade natural branda, mas vívida o suficiente para despertar, no ouvinte, um súbito de esperança, ânimo e motivação. Chamando a atenção por trazer uma melodia demasiadamente mais animada em relação àquelas anteriormente oferecidas, a presente obra bebe de uma sintonia afiada e sincrônica entre todos os instrumentos de corda, os quais formam um uníssono bastante firme em sua arquitetura. Apesar de migrar para um refrão de estrutura rítmico-melódica folk festiva a tal ponto que permite que o ouvinte se veja em pleno pub irlandês, recorte que dá destaque à levada trotante da bateria e do dulçor campestre do violino, Same Old Story traz consigo um certo quê de melancolia intrigante. Através de uma espécie de monólogo pungente, Gravdal exorta sua vontade de libertar o protagonista lírico da prisão em que este se encontra devido ao seu vício em álcool. De maneira tocante, o cantor explora o desejo de ver o personagem no auge de seu bem-estar e sobriedade para conhecer, de fato, a sua verdadeira essência. Cheia de questionamentos profundos, como “why can’t you see me?”, “why can't you stop it, is there no break?” e “why can't you leave it? Is this your fate?", Same Old Story se mostra uma canção que, inclusive, destaca, rechaça e discute o egoísmo, o egocentrismo e a perda gradual de lucidez em prol somente da saciedade da compulsão.


Expondo uma delicadeza sensual ao modo de um embrionário alt-rock, a composição consegue destacar sua natureza singela sem qualquer esforço. Se valendo por uma interação direta e marcante entre Gravdal e a bateria, a faixa ainda exorta nuances acústicas que lhe conferem silhuetas bastante atraentes. Com o auxílio de uma guitarra suspirante entregando sua contribuição em momentos pontuais na forma de um embrionário reggae, a faixa é capaz de amplificar seu caráter de sutileza enquanto, inclusive, alcança ligeiros patamares hipnóticos. Contagiante em meio à sua desenvoltura adocicadamente gentil, Give Us A Selfie tem, na voz do cantor, um importante elemento que quebra o senso de morfina e confere uma maciez estrutural mais orgânica. Apesar de instrumentalmente agradável, graciosa e divertida, a presente faixa, assim como aconteceu em Same Old Story, consegue misturar entretenimento com crítica. Se antes houve um rechaço a um aspecto sócio-comportamental, agora se tem um julgamento sócio-cultural ferrenho, mas com fundamento. Afinal, com sua já marcante delicadeza, Gravdal se usa de Give Us A Selfie para discutir o desenfreado peso que a tecnologia exerce sobre a sociedade. Destacando a futilidade e a ausência de senso crítico enquanto destaca a relação de aprisionamento e vício que se tem através das redes sociais, a faixa ainda dialoga sobre a insegurança e a desaprovação frente a autoimagem. Como um sereno grito de basta para esse cenário, a faixa preza pela verdadeira essência do indivíduo e pela busca por sua originalidade. 


Eis aqui um EP que funciona como uma profunda e tocante viagem extrassensorial. Um produto que mistura entretenimento e crítica. Que propõe o pensar e o divertir. Que ajuda a trazer senso crítico ao ouvinte. The Wild Child se configura como um produto que, com constantes minimalismos estéticos, consegue alcançar não apenas o feito de harmonias grandiosas, mas o peso do impacto de um instrumental embebido em virtuosismo.


Muito disso se deve à marca de Terje Gravdal, um compositor que consegue fazer, de suas músicas, produtos únicos que são capazes de tocar o mais profundo do espectador. Capaz de sorver a pura emoção através de arranjos enxutos em instrumentos, mas densamente amplo no que tange o sentimento por eles transpirados, Gravdal se mostra um importante nome na seara da música folk norueguesa.


Claro que esse feito não é um mérito unilateral. Para alcançá-lo, se precisou do auxílio de outras mãos igualmente sensíveis. David Michelsen e Marius Bergseth, além de terem a mesma sintonia emocional de Gravdal, foram os responsáveis por passar, aos instrumentos, cada sentimento exortados pelas palavras.


Por meio deles, faixas como Hostage in My Home se construiu através da mais profunda sutileza e charme compassivo. Já títulos como Same Old Story e Give Us A Selfie proporcionam um contraponto proposital para com o viés lírico. Afinal, dessa forma o ouvinte tem, nessas duas músicas especificamente, a noção tanto do efeito manipulativo da fonte dos vícios retratados quanto da distância do senso de consciência.


No que tange a mixagem, também assinada por esses profissionais, ela evidencia uma sonoridade madura e sincrônica. Um ecossistema cristalino em que o ouvinte consegue degustar cada nuance sonora produzida pelos instrumentos tanto em suas individualidades quanto em conjunto.


Fechando o escopo técnico de The Wild Child, vem a arte de capa. Assinada por Gravdal, ela consiste em uma fotografia do cantor sob vestes casuais que, além de marcadas pela adornação de seu tradicional chapéu, destacam a interação entre luz e sombra através da adoção dos tons preto e branco de forma a manter a assinatura visual usada pelo cantor na capa de seus lançamentos anteriores. Apesar de artística, no entanto, tal imagem acaba que não representando a essência do EP, mas serve para enaltecer a imagem do vocalista em sua verdadeira natureza.


Lançado em 04 de abril de 2025 de maneira independente, The Wild Child eleva o minimalismo a um charme que supera qualquer limite até então explorado nesse viés estrutural. Misturando leveza e delicadeza com uma notável profundidade sensorial, o material é marcado por conseguir, de maneira simultânea e equilibrada, promover o entretenimento, a comoção e a reflexão.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.